Quem nunca, quando pequeno, brincou de fazer de conta que era um personagem de algum programa do qual era muito fã? Quem eu era na Turma da Mônica? Qual Pokémon me atraía ou qual era a minha Menina Superpoderosa favorita? E nos heróis da Marvel? E no seriado Friends? Podemos pensar em outros infinitos exemplos e a identificação ser justificada com respostas bastante racionais: “acho ele muito esperto”, “acho ela super sedutora”, “queria voar deste jeito”. Mas, no fundo, essa admiração poderia esconder outros atributos de desejo que nem sempre eram tão conscientes assim.
Nossa personalidade é pautada em experiências dos diversos papéis que desempenhamos ao longo da vida. Por isso, é muito importante o jogo lúdico ao qual as crianças se lançam incansavelmente, representando papéis, testando modelos de mocinhos a bandidos. Eles brincam com tanta coragem e disponibilidade que, às vezes, convencem pais e professores sem deixar a menor sombra de dúvidas.
À medida que crescemos, essa persona vai assumindo “máscaras” mais fixas: uma para família, outra para o trabalho, uma para os mais íntimos, deixando escapar um pouco mais, ou um pouco menos, de nossa complexa identidade.
Num momento como este, em que estamos todos, em maior ou menor medida, “aquartelados” em nossos lares, qual máscara ou personagem temos deixado aparecer com maior frequência?
Quais as emoções que estão surgindo de forma mais insistente em nosso dia a dia? Quem sou eu nesta quarentena?
- Sinto medo pelas pessoas que estão a minha volta? Medo de contrair a enfermidade e deixar aos meus desamparados? Medo pela humanidade que parece não querer colaborar com o próximo, não sente compaixão pelos que sofrem? É esse o mundo em que vivo?
- Sou aquele que está refletindo sobre minhas escolhas atuais? Quero mesmo este trabalho, tem sentido pra mim? Este relacionamento tem futuro, será que temos realmente algo em comum? Quero ter um filho diante das incertezas que nos cercam? Vale a pena investir nesta formação?
- Foco em novos hábitos? Mais atividade física? Momento de me aprimorar em novas línguas? Cursos pendentes? Novos hobbies? Mais tempo para amigos e família? Mais proximidade com os filhos?
- Como atuo diante dos novos desafios que surgiram? Como tenho lidado com o contato excessivo com as pessoas que coabito ou, na outra ponta, como lidar comigo mesmo 24h por dia? Como estou encarando as novas responsabilidades quanto a alimentação e limpeza? Home office ou homeschooling (estudo em casa), como me comporto diante da mudança de ambiente exigida pelo isolamento? Consigo organizar meu tempo e meus espaços para o novo momento?
- Estou tranquilo diante dos novos desafios, confiante que tudo se resolverá da melhor forma possível, ou penso em quem posso responsabilizar, pois não aceito os acontecimentos como estão?
Se lendo as questões acima, foi possível se identificar com quase todos esses pensamentos, não se assuste! Isso é o esperado.
Diante de um acontecimento tão inusitado como esse, não há um comportamento previamente pensado ou estabelecido como correto. Vamos variando nossos comportamentos e emoções, num processo de tentativa e erro, buscando sair do desconforto que o desconhecido nos traz. Alguns dias são bons, outros nem tanto. Alguns dias tudo caminha para uma saída próxima, em outros a saída ficou mais distante do que havíamos imaginado.
Estamos diante de uma situação única. Apesar das falas pessimistas que insistem em mencionar no quanto isso será mais frequente daqui por diante, o fator surpresa não terá o mesmo peso da condição atual. Até porque teremos aprendido muito sobre o assunto: o vírus? Não, sobre nós mesmos…
Penso que a maior aprendizagem será sobre nossa individualidade, nosso íntimo, ou melhor, poderia ser, porque o aprender implica no desejo, na vontade. Refletindo sobre isso, sugiro que lancemos um olhar generoso, demorado e com muita compaixão em direção a nós mesmos, incluindo todas as emoções, pensamentos e comportamentos.
Saber aquilo que me gera ansiedade, medo ou produz raiva, pode ser muito poderoso nesse processo de autoconhecimento. Vivenciar esse momento que me exige buscar soluções ainda não pensadas, adotar saídas criativas, pode me levar por um caminho muito mais parecido com minha essência, com meu lugar no mundo. Transitar do inusitado para o excepcional.
Sejamos corajosos e honestos, vai valer a pena! E se precisar de uma mão amiga e isenta: conte com seu psicólogo.