Uma queixa frequente que ouço em consultório diz respeito à qualidade do sono. É comum, mesmo diante da melhora psíquica do paciente, a menção de um sono pouco reparador ou reduzido.
Alguns se resignam à situação, outros pedem indicações de medicamentos para profissionais capacitados, hábito comum inclusive entre o meio médico. Nos últimos anos essa prática tem aumentando o uso de ansiolíticos e indutores de sono por toda a população. Mas afinal, o que justifica esta situação tão recorrente?
Quando falamos em sono, é sempre importante ressaltar que cada ser desenvolve costumes baseados na sua própria cultura e cotidiano. Temos a tendência de dormir um pouco mais em períodos de frio e com menos luminosidade, como no inverno, por exemplo. Já diante de mudanças de rotina, com a aproximação de entregas de trabalho, véspera de festas e viagens, filhos que estão doentes ou recém-nascidos, trazem a certeza de que as horas de sono nunca são suficientes para reestabelecer nossas energias. São situações pontuais, mas o que fazer quando as exceções viram regra?
Dormir faz parte da auto regulação do corpo humano
Do ponto de vista biológico, o dormir é extremamente importante. Alguns hormônios, como o do crescimento (GH), só são liberados no período de descanso. O nosso ciclo circadiano, o ciclo de 24h em que alternamos períodos de sono e vigília, é quem faz a regulagem entre as atividades biológicas e seus respectivos hormônios: os que devem ficar ativos durante o dia e aqueles que devem ser ativados durante o período noturno.
Podemos nos imaginar como uma espécie de relógio regulado inicialmente pela luz do sol, em que o organismo estabelece o trabalho a ser desempenhado, quais hormônios serão liberados e quais atividades são esperadas para cada momento. Um mecanismo perfeito, porém, enormemente influenciado atualmente pelas luzes artificiais incluindo as telas de TV e de celulares.
Como saber se meu sono está sendo influenciado pelas telas?
Se houver dúvidas quanto a esta questão, procure observar-se no final do dia, por volta das 18h ou mais precisamente ao pôr do sol, pois é dele que estamos falando. É muito comum acontecerem alguns bocejos como se o corpo estivesse fazendo seus últimos esforços do dia. A partir deste momento, o ideal seria que não prolongássemos nossas atividades por mais do que 2 horas e entrássemos em ritmo de “fade out”. Ou seja, diminuíssemos lentamente as atividades. Uma refeição leve, um banho agradável, menos luzes acesas, música tranquila ou um livro antes de apagarmos totalmente. Só de pensar neste processo já não damos uma relaxada?
Agora imagine por outro lado: sair do trabalho tarde, comer algo rápido, ir para a academia, enfrentar o trânsito para casa, jantar, assistir à um filme de ação ou o noticiário da TV. Nesse caso é possível imaginar que o seu botão “ligado” não deverá apagar tão cedo.
Aposte na rotina
Estudos mostram que nosso corpo ADORA uma rotina. Quanto menos mudarmos o horário de acordar e dormir, das refeições, mais feliz ele fica. Colocar uma atividade física logo pela manhã é a cereja do bolo! Sim, porque fazer uma atividade física ajuda muito na qualidade do sono.
O que fazer caso tenha uma festa no fim de semana? Seu corpo banca uma exceção. Um pouco mais quando se é jovem, um pouco menos conforme a idade avança. Mas se puder acordar perto do horário de sempre, ele agradecerá e retribuirá ficando saudável por mais tempo.
O neurocientista Sidarta Ribeiro, pesquisador desta área e autor do livro “O Oráculo da Noite” afirma em entrevista ao jornal Estado de São Paulo (29/06/2020) que:
“O cérebro é uma farmácia, se a gente souber as práticas adequadas a gente é capaz de encontrar equilíbrio sem precisar tomar remédio… A maioria deveria apagar a luz, esperar a melatonina ser produzida pela glândula pineal, no meio do cérebro. Mas ao invés disso, as pessoas preferem ficar nas telas o tempo todo. E aí precisam tomar pílula de melatonina para gerar o fenômeno do sono, sem ter passado pelo ritual do sono”
O pesquisador ressalta também que as telas emitem uma onda de comprimento azul que inibe a produção de melatonina, substância essencial para a qualidade do sono. Mesmo usando o modo noturno do aparelho, com a redução da luz azul, ainda assim há o estímulo provocado pelas informações consumidas. Quando finalmente a pessoa adormece, pela exaustão, a elevação da melatonina já foi perdida porque a mesma ocorre entre às 20h e a meia noite.
Fuja das medicações
Sidarda Ribeiro explica ainda que os remédios utilizados para dormir afetam as fases do sono. O sono não-REM, de ondas lentas e que corresponde ao período do silenciar dos neurônios, é estimulado. No entanto, o sono REM, de sono mais profundo, fica prejudicado. Segundo ele, a medicação “gera um apagão, mas a pessoa acorda cansada e com prejuízo cognitivo”.
Quando pensamos nas doenças que se relacionam com um sono de pouca qualidade, fica claro que investir nas horas de descanso vale muito a pena. Trata-se de um investimento a longo prazo e no mundo imediatista em que vivemos, para muitos, essa conta pode parecer supérflua. Porém, asseguro que o retorno é garantido. Por fim, creio ser importante aclarar que em algumas situações, a minoria delas, a insônia pode estar relacionada a uma afecção física, devido a alguma co-morbidade ou uso de medicamentos específicos. Neste caso, a consulta a um profissional de saúde se faz necessária para a detecção do problema em questão e também para encontrar possíveis soluções.